Oportuno editorial de hoje da Folha de S.Paulo.
Jogo sujo
Parlamentares favoráveis aos bingos tentam ressuscitar atividade com argumento oportunista de que poderia contribuir para área de saúde
Mais verbas para a área de saúde: a esta altura, não há brasileiro que necessite de legendas para atinar de imediato com a tradução da frase, que equivaleria, nos velhos filmes de faroeste, ao clássico "mãos ao alto".
Desde que se inventou a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), em 1997, utilizou-se a necessidade de investir no atendimento médico da população como pretexto para aumentar as receitas do governo.
Dos bilhões arrecadados com essa taxa, parte significativa, embora não majoritária, manteve-se no caixa do Tesouro; nos últimos anos da vigência do tributo, cerca da metade dos recursos obtidos não era empregada para o fim a que supostamente se destinava.
Durou dez anos a contribuição, cuja qualificação de "provisória" já constava como peça fácil do anedotário nacional. Eliminada pelo Senado em 2007, não sem previsões apocalípticas quanto ao impacto negativo que a decisão traria às contas públicas -o que não ocorreu-, seu retorno continua a ser sonhado por muitos.
Com o nome de CSS (Contribuição Social para a Saúde), sensibilizaria, ao que se noticia, a presidente eleita Dilma Rousseff. Governadores, interessados em novas receitas, já opinaram a favor do retorno do tributo.
Vale lembrar que, enquanto isso, de 2002 a 2009, os gastos reais com saúde cresceram 93% nas áreas federal, estadual e municipal. Se se trata de procurar um pretexto para a criação de novos impostos, há de se convir que, à luz de dados como este, o da saúde não se sustenta. Há outros meios de aumentar os investimentos e a eficiência do Estado nessa área crucial para a população.
Pouco importa: o lema da saúde higieniza tudo -e é assim que lideranças da base governista no Congresso articularam-se em torno de uma fórmula oportunista.
Os deputados Paulo Pereira da Silva (PDT) e Sandro Mabel (PR) defendem a liberação dos bingos; também o líder do PTB, Jovair Arantes, já se manifestou a favor da jogatina. Argumentam então que, legalizando-se a atividade, haveria um ganho de receita a ser canalizado para a saúde, evitando-se assim a volta da CPMF.
Foi comum, durante certo tempo, dizer que os bingos tinham a vantagem de gerar empregos -como se outras atividades econômicas, insuspeitas de desvios, não fizessem o mesmo. Chega-se ao cúmulo, agora, de inventar o "bingo do bem", supostamente voltado a garantir recursos para atender a saúde da população.
Durante seu apogeu, casos de dependência psicológica, delinquência e ruína familiar se sucederam em nome de suposto auxílio a entidades esportivas; hospitais e postos de saúde seriam, agora, a cortina de fumaça para justificar a volta de uma atividade que só cabe qualificar como maléfica.
Ou os bingos ou a volta da CPMF: eis, na prática, a alternativa colocada por esses parlamentares à sociedade brasileira. Cabe rejeitá-la, numa atitude que ultrapassa a da mera indignação.